segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Ocupação do Juquiá - uma história de luta

Vídeo-documentário sobre a luta dos moradores da ocupação do Juquiá, em Joinville/SC, reivindicando o direito à moradia. No início de 2009 cerca de 100 famílias ocuparam área na zona sul na busca de efetivar seu direito à moradia. Resistindo às intimidações do poder público e à força policial os moradores deram mostras do que a luta organizada do povo é capaz. 




Confira as outras partes do documentário:


terça-feira, 18 de setembro de 2012

Por uma política pública de habitação para Joinville


          O problema de habitação em Joinville demonstrou-se uma questão de primeira ordem nos últimos anos. A ineficiência do poder público em efetivar uma política adequada de moradia teve como contrarresposta várias ocupações de terra na periferia da cidade. No limite, nada que constitua uma novidade. As ocupações de terra sempre foram a alternativa daqueles que não têm dinheiro para adentrarem na lógica mercadológica que impera no mercado imobiliário das grandes cidades brasileiras. Portanto, é a partir de uma lógica fundiária excludente que aparece como razoável a alternativa de ocupação de lugares fronteiriços e limítrofes do tecido social urbano  – são os altos preços de mercado o verdadeiro combustível das ocupações urbanas. Em Joinville, desde pelo menos a década de 60, com seus altos níveis de industrialização e migração, as ocupações de terra, sobretudo mas não apenas em mangues, foram uma constante, a ponto de especialistas avaliarem que um terço da cidade é constituída por territórios ocupados (i). Esse histórico é razão mais que suficiente para se colocar o problema em perspectiva e de modo desapaixonado, sem criminalizá-lo – como as ocupações ocorridas na zona sul da cidade, por volta de julho de 2011, assim o foram pelo governo municipal – e buscar verdadeiras soluções.
          Embora o ritmo de crescimento populacional da cidade tenha diminuído, o poder público ainda é incapaz de vislumbrar uma solução. Isso porque não reconhece que o problema fundamental reside no fato de que o solo é uma mercadoria, portanto sujeito a leis de mercado, aquém da efetivação de direito constitucional (artigo 6º da Constituição). Como uma mercadoria, serve a interesses puramente ligados à lógica da acumulação – acumular terras a fim de vendê-las, especulativamente, quando atingirem seu maior preço. Via de regra o Estado intervém nesse problema antes para contribuir com a valorização de áreas – asfalto, luz, saneamento em terras desocupadas e prontas para se vender, ao passo que há áreas constituídas há muitos anos sem qualquer serviço público ou melhorias significativas – do que para quebrar o mecanismo de mercado e fazer da habitação um direito.
          Reconhecer o problema é o início mesmo de sua resolução. Se a nível municipal há conivência entre prefeitura e especuladores imobiliários, ao menos a nível federal o Estatuto das Cidades apresenta possíveis soluções para a questão (ii). A principal delas, e que seria plenamente aplicável em Joinville, é o IPTU progressivo. A articulação entre os artigos 5º e 7º do Estatuto permite a constituição de uma política que faça frente aos interesses mercadológicos sobre a terra urbana, na medida em que prevê caráter compulsório, fixado em determinado prazo, para a utilização, edificação e parcelamento do solo (artigo 5º) que, a partir de seu desrespeito, tem como resultado a aplicação do IPTU progressivo (artigo 7º), até 15% do valor de venda do imóvel. Aquele que tem um terreno e que não o utiliza pagará um IPTU maior. Se mesmo com o IPTU progressivo permanecer-se com o terreno não utilizado, em cinco anos, o Estado pode desapropriar a localidade (artigo 8º) e nela construir moradia popular ou melhoramentos públicos (praças, locais de lazer, escolas etc.).
           É necessário ressaltar que essa política não significa “aumento de impostos” para os mais pobres, mas sim para aqueles que concentram terra, acumulam territórios, e os subtilizam tendo em vista a realização do lucro no futuro. A aplicação do IPTU progressivo em Joinville pode ser medida, aproximadamente, tendo-se em conta o último censo do IBGE, que constatou haverem 12.331 domicílios vazios na cidade (iii). São imóveis que não tem qualquer utilização, via de regra bem localizados, e que pagam o mesmo valor de IPTU que um imóvel no qual, por exemplo, uma família inteira mora. Enquanto isso, as periferias crescem, as ocupações ocorrem e muitos moram em más condições.
          Uma política desse tipo implica em enfrentar interesses econômicos cristalizados, como, de resto, qualquer política relevante. Nesse caso, significa entrar em choque com as imobiliárias e grandes concentradores de terras (inclusive aqueles de perfil industrial). Esses setores sociais possuem grande influência nas instâncias governamentais e para se fazer frente a eles é necessário organização.
        As correções de injustiças sociais sempre aparecem em um primeiro momento como “radicais”, “impraticáveis”. Mas são elas que permitem que a sociedade avance, que a contradição que se reproduz quase invisivelmente em seu interior encontre uma resolução positiva. O IPTU progressivo pode ser um primeiro passo na correção da injustiça da concentração da terra urbana.

i “Onde eles vivem hoje, um dia foi INVASÃO”, Jornal A Notícia, edição de 31 de julho de 2011, http://www.clicrbs.com.br/anoticia/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a3423262.xml&template=4187.dwt&edition=17641&section=2003 .

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O que é especulação imobiliária

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Especulação imobiliária é a compra de terrenos com fins de valorização, e não de moradia. É tratar a terra como “investimento” e não como habitação. “Especular” é antecipar, é prever – especulação imobiliária, portanto, é a previsão de que determinados terrenos se valorizarão de modo que a compra deles apresentará retorno financeiro, seja por meio do aluguel ou da venda.
            Um terreno, por sua vez, do ponto de vista da moradia tem seu valor relacionado, grosso modo, a duas variáveis: 1) vantagens locacionais (estar próximo de escolas, possuir asfalto, tratamento de esgoto, não ser vítima de cheias etc.) e 2) prestígio social (esse aspecto é ligado, sobretudo, a característica dos ricos de se segregarem dos demais setores da população). Quanto mais dispõe de serviços públicos e de prestigio social, mais valorizado é um terreno. É por essa razão que a periferização costuma ser a única alternativa da população pobre: os terrenos mais acessíveis são os mais desprovidos de serviços públicos e normalmente mais longe do centro da cidade, portanto os mais baratos.
Conforme o economista Paul Singer,
Convém observar que o ‘valor’ da propriedade imobiliária, na economia capitalista, não passa da renda que ela proporciona, capitalizada a determinada taxa de juros” (1982, p. 22).
Como o imóvel é um “investimento de baixo risco”, segue as taxas desse tipo de empreendimento. O imóvel funciona do mesmo modo que um título de rendimento futuro: é um capital (ou seja, o dinheiro) investido que produz renda, que se valoriza, pois ao com o passar dos anos os terrenos tendem a valer mais dinheiro. É importante notar isso porque se a cidade é um lugar de habitação, trabalho, lazer, sociabilidade em geral, ela é também, do ponto de vista do especulador, como um imenso quintal para a valorização de “títulos”, para a obtenção de renda. A cidade é como se fosse um grande banco esperando investimentos para produzir valorização. Os “títulos”, no entanto, tem como contrapartida a anulação do direito à moradia de grandes parcelas da população.
            A cidade tipicamente capitalista possui um centro cercado de anéis concêntricos em seu entorno, desde os bairros mais próximos do centro até a extrema periferização. Os serviços públicos, responsáveis pela valorização, se estendem do centro até os bairros    (muito embora quase nunca alcancem a extrema periferia). Essa tendência, no entanto, é contrabalanceada porque em certo momento o centro, que reúne serviços, comércio e por vezes empresas, com o crescimento da cidade necessita se reestruturar, esbarrando nos bairros imediatamente residenciais, ocupados pelos setores mais ricos. Esses setores tendem a se mudar, então, para locais mais isolados do centro, bairros com característica quase que puramente residencial. A maioria das grandes cidades já passou por esse processo: Curitiba, São Paulo etc., o que leva a constituição de um “centro histórico” (ou centro velho) e um centro que agrega propriamente os serviços gerais. Os ricos, por sua vez, passam a residir em “ecovilles” e condomínios fechados no entorno.
            Por essa razão a cidade passa a ter em suas marcas mais visíveis, em sua própria arquitetura, marcas da desigualdade social que é seu fundamento, que a divide em centro e periferia. Em Joinville, conforme mapa abaixo produzido pela prefeitura, que discrimina renda e localidade, podemos notar que a cidade segue exatamente essa tendência (Pirabeiraba, basicamente uma cidade à parte, é a exceção):


(clique sobre o mapa para ler a legenda em detalhe)


Dessa maneira, especular significa comprar um terreno e vende-lo ou aluga-lo para extrair renda após sua valorização ocasionada por investimentos estatais em serviços públicos:
... a especulação imobiliária adotou um método próprio para parcelar a terra da cidade. Tal método consistiu no seguinte: nunca se fazia um novo loteamento na vizinhança imediata do anterior, já provido de serviços públicos. Pelo contrário, entre o novo loteamento e o anterior, já equipado, se deixava uma área de terra desocupada, sem lotear. Completado este novo loteamento, a linha de ônibus, sua passagem por áreas não loteadas traria sua imediata valorização. O mesmo ocorria com os demais serviços públicos: para atender os pontos extremos loteados, passariam por áreas vazias, beneficiárias imediatas do melhoramento público” (CARDOSO, CAMARGO e KOWARICK, 1971, p. 8).
É por essa razão que há vários “vazios urbanos” apenas esperando o melhor momento para extrair maior renda a seu proprietário.
Se a valorização advém a partir do investimento estatal em serviços públicos, então basta “esperar” que os serviços cheguem ao local para o terreno então valorizar. Ou, então, influenciar diretamente a política local para que seja possível extrair o máximo de renda de um terreno.
Isso é possível de vários modos. Por exemplo, mudando as leis de zoneamento de um local. Suponhamos que um especulador tem um terreno em uma rua na qual só é possível a construção, segundo as leis da cidade, de habitações simples. Se a lei mudar e permitir que sejam construídos comércios de três andares esse especulador irá poder extrair mais renda do terreno. É claro que um especulador tem pouco poder para interferir na mudança das leis, mas um conjunto organizado deles pode ter grande força de mudança. Por exemplo, a lei que permite a verticalização em Joinville: de nove andares, agora são permitidos 18. Um especulador que, nas áreas nas quais isso é permitido, promove um empreendimento imobiliário pode extrair o dobro de lucro. Essa lei é uma grande vitória da especulação imobiliária. Tal como a nova lei de macrozoneamento ao incorporar terras rurais que agora poderão servir para moradia, empresas etc. Ou então como o Shopping Garten, que para ter sua construção permitida teve leis de zoneamento comodamente modificadas. No geral, o Conselho da Cidade, em Joinville não tem mostrado qualquer resistência ao avanço da especulação imobiliária.
A especulação é um problema público de primeira ordem porque ela promove a subutilização do espaço urbano. Há inúmeros vazios urbanos (em Joinville, só domicílios vazios são 12.331 segundo o IBGE) inteiramente servidos de bons serviços públicos (tratamento de esgoto, luz, asfalto, escolas) que não servem a ninguém até serem comprados. E quando comprados, via de regra, servem a classes mais elevadas, enquanto há locais que por dezenas de anos permanecem sem o mínimo necessário, de escolas longe até esgoto a céu aberto.
Resistir à especulação imobiliária é se organizar contra a transformação do solo, da terra urbana, em uma mercadoria a mais, geradora de renda para uma ínfima parcela da população. É se contrapor à periferização e a guetização da população. É pensar e realizar uma cidade democrática, na qual os serviços públicos são de qualidade e igualmente disponíveis a todos.
Referências

Cardoso, Fernando Henrique, Camargo, Cândido Procópio Ferreira, Kowarick, Lúcio. Considerações sobre o desenvolvimento de São Paulo: Cultura e Participaçã, Disponível em http://www.cebrap.org.br/v1/upload/biblioteca_virtual/consideracoes_sobre_o_desenvolvimento_de_sp.pdf.

Rolnik, Raquel e Bonduki, Nabil. Periferia da grande São Paulo. Reprodução do espaço como expediente de reprodução da força de trabalho, in: “A produção capitalista da casa (e da Cidade) no Brasil Industrial”, Editora Alfa-Omega, São Paulo, 1982

Singer, Paul. O uso do solo na economia capitalista, in: “A produção capitalista da casa (e da cidade) no Brasil Industrial”, org. Ermínia Maricato, 2ª edição, editora Alfa-Omega, São Paulo, 1982.

Villaça, Flávio. O que todo cidadão precisa saber sobre habitação, Disponível em: http://www.flaviovillaca.arq.br/pdf/cidadao_habita.pdf .

sábado, 15 de setembro de 2012

Apresentação do blog


Esse site tem três objetivos principais:

1. Informar sobre o problema de habitação no Brasil em geral e em Joinville em particular. Estado, industriais e especuladores imobiliários têm seus canais de comunicação garantidos pelas emissoras de TV e jornais de modo que veiculam suas opiniões como se fossem unânimes. No entanto, o objetivo desses agentes sociais é a reprodução do solo urbano como uma mercadoria. Nossa informação é isenta, mas não é neutra: partimos do princípio que o solo deve servir ao uso, a quem nele mora, e não como fonte de renda para atravessadores. Por isso vamos mostrar, em números, entrevistas, relatos, fotos e vídeos o problema habitacional a partir de uma perspectiva que contribua com sua superação.

2. Denunciar o problema habitacional. Para boa parte da sociedade que tem moradia, o problema habitacional é quase invisível. Atinge aqueles que não tem onde morar ou comprometem boa parte de seu salário com o aluguel. Serão denunciados os altos preços dos aluguéis, os vazios urbanos, os imóveis sem moradores para que sensibilizemos toda a sociedade para esse problema de primeira ordem.

3. Propor uma saída para esse problema social. A crítica à concentração da terra urbana é, por ela mesma, legítima, mas iremos além: há mecanismos e políticas possíveis para minorar ou mesmo acabar com o déficit habitacional. Seja reivindicando o artigo 6º da Constituição Brasileira, seja nos apoiando no Estatuto das Cidades, seja apoiando decididamente os movimentos que por meio de ocupações questionam a função social da propriedade do solo, estaremos demonstrando que a desigualdade não é um estado natural da sociedade, mas antes a acomodação à interesses historicamente constituídos e reproduzidos na gestão da cidade.

Frente de Luta pela Moradia Joinville