terça-feira, 18 de setembro de 2012

Por uma política pública de habitação para Joinville


          O problema de habitação em Joinville demonstrou-se uma questão de primeira ordem nos últimos anos. A ineficiência do poder público em efetivar uma política adequada de moradia teve como contrarresposta várias ocupações de terra na periferia da cidade. No limite, nada que constitua uma novidade. As ocupações de terra sempre foram a alternativa daqueles que não têm dinheiro para adentrarem na lógica mercadológica que impera no mercado imobiliário das grandes cidades brasileiras. Portanto, é a partir de uma lógica fundiária excludente que aparece como razoável a alternativa de ocupação de lugares fronteiriços e limítrofes do tecido social urbano  – são os altos preços de mercado o verdadeiro combustível das ocupações urbanas. Em Joinville, desde pelo menos a década de 60, com seus altos níveis de industrialização e migração, as ocupações de terra, sobretudo mas não apenas em mangues, foram uma constante, a ponto de especialistas avaliarem que um terço da cidade é constituída por territórios ocupados (i). Esse histórico é razão mais que suficiente para se colocar o problema em perspectiva e de modo desapaixonado, sem criminalizá-lo – como as ocupações ocorridas na zona sul da cidade, por volta de julho de 2011, assim o foram pelo governo municipal – e buscar verdadeiras soluções.
          Embora o ritmo de crescimento populacional da cidade tenha diminuído, o poder público ainda é incapaz de vislumbrar uma solução. Isso porque não reconhece que o problema fundamental reside no fato de que o solo é uma mercadoria, portanto sujeito a leis de mercado, aquém da efetivação de direito constitucional (artigo 6º da Constituição). Como uma mercadoria, serve a interesses puramente ligados à lógica da acumulação – acumular terras a fim de vendê-las, especulativamente, quando atingirem seu maior preço. Via de regra o Estado intervém nesse problema antes para contribuir com a valorização de áreas – asfalto, luz, saneamento em terras desocupadas e prontas para se vender, ao passo que há áreas constituídas há muitos anos sem qualquer serviço público ou melhorias significativas – do que para quebrar o mecanismo de mercado e fazer da habitação um direito.
          Reconhecer o problema é o início mesmo de sua resolução. Se a nível municipal há conivência entre prefeitura e especuladores imobiliários, ao menos a nível federal o Estatuto das Cidades apresenta possíveis soluções para a questão (ii). A principal delas, e que seria plenamente aplicável em Joinville, é o IPTU progressivo. A articulação entre os artigos 5º e 7º do Estatuto permite a constituição de uma política que faça frente aos interesses mercadológicos sobre a terra urbana, na medida em que prevê caráter compulsório, fixado em determinado prazo, para a utilização, edificação e parcelamento do solo (artigo 5º) que, a partir de seu desrespeito, tem como resultado a aplicação do IPTU progressivo (artigo 7º), até 15% do valor de venda do imóvel. Aquele que tem um terreno e que não o utiliza pagará um IPTU maior. Se mesmo com o IPTU progressivo permanecer-se com o terreno não utilizado, em cinco anos, o Estado pode desapropriar a localidade (artigo 8º) e nela construir moradia popular ou melhoramentos públicos (praças, locais de lazer, escolas etc.).
           É necessário ressaltar que essa política não significa “aumento de impostos” para os mais pobres, mas sim para aqueles que concentram terra, acumulam territórios, e os subtilizam tendo em vista a realização do lucro no futuro. A aplicação do IPTU progressivo em Joinville pode ser medida, aproximadamente, tendo-se em conta o último censo do IBGE, que constatou haverem 12.331 domicílios vazios na cidade (iii). São imóveis que não tem qualquer utilização, via de regra bem localizados, e que pagam o mesmo valor de IPTU que um imóvel no qual, por exemplo, uma família inteira mora. Enquanto isso, as periferias crescem, as ocupações ocorrem e muitos moram em más condições.
          Uma política desse tipo implica em enfrentar interesses econômicos cristalizados, como, de resto, qualquer política relevante. Nesse caso, significa entrar em choque com as imobiliárias e grandes concentradores de terras (inclusive aqueles de perfil industrial). Esses setores sociais possuem grande influência nas instâncias governamentais e para se fazer frente a eles é necessário organização.
        As correções de injustiças sociais sempre aparecem em um primeiro momento como “radicais”, “impraticáveis”. Mas são elas que permitem que a sociedade avance, que a contradição que se reproduz quase invisivelmente em seu interior encontre uma resolução positiva. O IPTU progressivo pode ser um primeiro passo na correção da injustiça da concentração da terra urbana.

i “Onde eles vivem hoje, um dia foi INVASÃO”, Jornal A Notícia, edição de 31 de julho de 2011, http://www.clicrbs.com.br/anoticia/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a3423262.xml&template=4187.dwt&edition=17641&section=2003 .

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