Especulação imobiliária é a compra de
terrenos com fins de valorização, e não de moradia. É tratar a
terra como “investimento” e não como habitação. “Especular”
é antecipar, é prever – especulação imobiliária,
portanto, é a previsão de que determinados terrenos se valorizarão
de modo que a compra deles apresentará retorno financeiro, seja por
meio do aluguel ou da venda.
Um terreno, por sua vez, do ponto de vista da moradia tem seu valor
relacionado, grosso modo, a duas variáveis: 1) vantagens
locacionais (estar próximo de escolas, possuir asfalto, tratamento
de esgoto, não ser vítima de cheias etc.) e 2) prestígio social
(esse aspecto é ligado, sobretudo, a característica dos ricos de se
segregarem dos demais setores da população). Quanto mais dispõe de
serviços públicos e de prestigio social, mais valorizado é um
terreno. É por essa razão que a periferização costuma ser a única
alternativa da população pobre: os terrenos mais acessíveis são
os mais desprovidos de serviços públicos e normalmente mais longe
do centro da cidade, portanto os mais baratos.
Conforme o economista Paul Singer,
“Convém observar que o ‘valor’
da propriedade imobiliária, na economia capitalista, não passa da
renda que ela proporciona, capitalizada a determinada taxa de juros”
(1982, p. 22).
Como o imóvel é um “investimento de baixo
risco”, segue as taxas desse tipo de empreendimento. O imóvel
funciona do mesmo modo que um título de rendimento futuro: é um
capital (ou seja, o dinheiro) investido que produz renda, que se
valoriza, pois ao com o passar dos anos os terrenos tendem a valer
mais dinheiro. É importante notar isso porque se a cidade é um
lugar de habitação, trabalho, lazer, sociabilidade em geral, ela é
também, do ponto de vista do especulador, como um imenso quintal
para a valorização de “títulos”, para a obtenção de renda. A
cidade é como se fosse um grande banco esperando investimentos para
produzir valorização. Os “títulos”, no entanto, tem como
contrapartida a anulação do direito à moradia de grandes parcelas
da população.
A cidade tipicamente capitalista possui um centro cercado de anéis
concêntricos em seu entorno, desde os bairros mais próximos do
centro até a extrema periferização. Os serviços públicos,
responsáveis pela valorização, se estendem do centro até os
bairros (muito embora quase nunca alcancem a
extrema periferia). Essa tendência, no entanto, é contrabalanceada
porque em certo momento o centro, que reúne serviços, comércio e
por vezes empresas, com o crescimento da cidade necessita se
reestruturar, esbarrando nos bairros imediatamente residenciais,
ocupados pelos setores mais ricos. Esses setores tendem a se mudar,
então, para locais mais isolados do centro, bairros com
característica quase que puramente residencial. A maioria das
grandes cidades já passou por esse processo: Curitiba, São Paulo
etc., o que leva a constituição de um “centro histórico” (ou
centro velho) e um centro que agrega propriamente os serviços
gerais. Os ricos, por sua vez, passam a residir em “ecovilles” e
condomínios fechados no entorno.
Por essa razão a cidade passa a ter em suas marcas mais visíveis,
em sua própria arquitetura, marcas da desigualdade social que é seu
fundamento, que a divide em centro e periferia. Em Joinville,
conforme mapa abaixo produzido pela prefeitura, que discrimina renda
e localidade, podemos notar que a cidade segue exatamente essa
tendência (Pirabeiraba, basicamente uma cidade à parte, é a
exceção):
(clique sobre o mapa para ler a legenda em detalhe) |
Dessa maneira, especular significa comprar um
terreno e vende-lo ou aluga-lo para extrair renda após sua
valorização ocasionada por investimentos estatais em serviços
públicos:
“... a especulação imobiliária
adotou um método próprio para parcelar a terra da cidade. Tal
método consistiu no seguinte: nunca se fazia um novo loteamento na
vizinhança imediata do anterior, já provido de serviços públicos.
Pelo contrário, entre o novo loteamento e o anterior, já equipado,
se deixava uma área de terra desocupada, sem lotear. Completado este
novo loteamento, a linha de ônibus, sua passagem por áreas não
loteadas traria sua imediata valorização. O mesmo ocorria com os
demais serviços públicos: para atender os pontos extremos loteados,
passariam por áreas vazias, beneficiárias imediatas do melhoramento
público” (CARDOSO, CAMARGO e KOWARICK, 1971, p. 8).
É por essa razão que há vários “vazios
urbanos” apenas esperando o melhor momento para extrair maior renda
a seu proprietário.
Se a valorização advém a partir do
investimento estatal em serviços públicos, então basta “esperar”
que os serviços cheguem ao local para o terreno então valorizar.
Ou, então, influenciar diretamente a política local para que seja
possível extrair o máximo de renda de um terreno.
Isso é possível de vários modos. Por
exemplo, mudando as leis de zoneamento de um local. Suponhamos que um
especulador tem um terreno em uma rua na qual só é possível a
construção, segundo as leis da cidade, de habitações simples. Se
a lei mudar e permitir que sejam construídos comércios de três
andares esse especulador irá poder extrair mais renda do terreno. É
claro que um especulador tem pouco poder para interferir na mudança
das leis, mas um conjunto organizado deles pode ter grande força de
mudança. Por exemplo, a lei que permite a verticalização em
Joinville: de nove andares, agora são permitidos 18. Um especulador
que, nas áreas nas quais isso é permitido, promove um
empreendimento imobiliário pode extrair o dobro de lucro. Essa lei é
uma grande vitória da especulação imobiliária. Tal como
a nova lei de macrozoneamento ao incorporar terras rurais que agora
poderão servir para moradia, empresas etc. Ou então como o Shopping
Garten, que para ter sua construção permitida teve leis de
zoneamento comodamente modificadas. No geral, o Conselho da Cidade,
em Joinville não tem mostrado qualquer resistência ao avanço da
especulação imobiliária.
A especulação é um problema
público de primeira ordem porque ela promove a subutilização do
espaço urbano. Há inúmeros vazios urbanos (em Joinville, só
domicílios vazios são 12.331 segundo o IBGE) inteiramente servidos
de bons serviços públicos (tratamento de esgoto, luz, asfalto,
escolas) que não servem a ninguém até serem comprados. E quando
comprados, via de regra, servem a classes mais elevadas, enquanto há
locais que por dezenas de anos permanecem sem o mínimo necessário,
de escolas longe até esgoto a céu aberto.
Resistir à especulação imobiliária
é se organizar contra a transformação do solo, da terra urbana, em
uma mercadoria a mais, geradora de renda para uma ínfima parcela da
população. É se contrapor à periferização e a guetização da
população. É pensar e realizar uma cidade democrática, na qual os
serviços públicos são de qualidade e igualmente disponíveis a
todos.
Referências
Cardoso, Fernando Henrique, Camargo, Cândido Procópio Ferreira,
Kowarick, Lúcio. Considerações sobre o desenvolvimento de São
Paulo: Cultura e Participaçã, Disponível em
http://www.cebrap.org.br/v1/upload/biblioteca_virtual/consideracoes_sobre_o_desenvolvimento_de_sp.pdf.
Rolnik, Raquel e Bonduki, Nabil. Periferia da grande São Paulo.
Reprodução do espaço como expediente de reprodução da força de
trabalho, in: “A produção capitalista da casa (e da Cidade)
no Brasil Industrial”, Editora Alfa-Omega, São Paulo, 1982
Singer, Paul. O uso do solo na economia capitalista, in: “A
produção capitalista da casa (e da cidade) no Brasil Industrial”,
org. Ermínia Maricato, 2ª edição, editora Alfa-Omega, São Paulo,
1982.
Villaça, Flávio. O que todo cidadão precisa saber sobre
habitação, Disponível em:
http://www.flaviovillaca.arq.br/pdf/cidadao_habita.pdf
.
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